Marcelo Oliveira / Agencia RBS
Especialistas apontam que benefícios pedagógicos de celulares e tablets são exagerados
Por Nellie Bowles*
Aqueles que têm maior proximidade a algo costumam ser os que mais desconfiam. Especialistas em tecnologia sabem como funcionam os celulares, e muitos decidiram manter seus filhos longe dos aparelhos.
Uma desconfiança que ganha forma lentamente está se tornando um consenso regional: os benefícios das telas como instrumento pedagógico são exagerados, e os riscos de vício e de desenvolvimento atrofiado parecem significativos. O debate que ocorre agora no Vale do Silício trata de quanta exposição a celulares seria apropriada. 
— Remover o contato com as telas é quase mais fácil do que minimizá-lo — disse Kristin Stecher, uma ex-pesquisadora de computação social casada com um engenheiro do Facebook. — Se minhas filhas têm um pouco de contato, eles acabam querendo mais.
Stecher, de 37 anos, e seu marido, Rushabh Doshi, pesquisaram o tempo de contato com telas e chegaram a uma conclusão simples: não quiseram quase nenhum em casa. Suas filhas, de cinco e três anos, não têm tempo predeterminado de contato com telas, não possuem um número de horas em que é permitido usá-las. As únicas ocasiões nas quais o uso de uma tela é permitido são durante uma viagem de carro longa (como a viagem de quatro horas até Tahoe) ou durante uma viagem de avião.
Recentemente, ela abrandou essa abordagem. Cada sexta-feira a família assiste a um filme.
Há um problema cujo surgimento Stecher vê no futuro: o seu marido, de 39 anos, adora vídeo games e acha que podem ser educativos e divertidos. Ela discorda.
— Vamos ver o que fazer quando a ocasião chegar — disse Stecher, que está grávida de um menino.
Algumas das pessoas que criaram programas de vídeo estão agora apavoradas pelo número de lugares onde uma criança pode assistir a um vídeo.
Quando foi questionado sobre o tempo de contato com telas para crianças, Hunter Walk, um investidor de risco que foi diretor de produtos para YouTube no Google durante anos, mandou a foto de um penico com um iPad acoplado e escreveu: "Hashtag 'produtos que não compramos'".
Athena Chavarria, que já trabalhou como assistente executiva no Facebook e agora está no setor filantrópico de Mark Zuckerberg, a Chan Zuckerberg Initiative, disse: "Estou convencida, agora, de que o diabo vive em nossos celulares e está prejudicando nossos filhos."
Chavarria não deixou que os filhos tivessem telefones celulares até o Ensino Médio e até hoje proíbe o uso do celular no carro e o restringe rigorosamente em casa. Ela diz que vive pelo mantra de que a última criança na sala de aula a ter um celular é a vencedora. Sua filha não ganhou um celular até iniciar o nono ano escolar.
— Outros pais dizem: "Não está preocupada com não saber onde seus filhos estão quando não consegue acha-los?" — disse Chavarria. — E eu replico: "Não, não preciso saber onde estão meus filhos a cada segundo do dia todo."
Para líderes de longa data do campo tecnológico, observar como as ferramentas que construíram afetam seus filhos parece uma espécie de retribuição por aquilo a que dedicaram suas vidas e seu trabalho.
Entre eles encontra-se Chris Anderson, ex-editor da Wired e hoje diretor-executivo de uma empresa de robótica e de drones. Ele também é o fundador do GeekDad.com.
— Numa escala entre doces e crack, estão mais próximas do crack — disse Anderson sobre as telas.
Ele diz que os tecnólogos que criaram esses produtos e os jornalistas que observaram a revolução tecnológica foram ingênuos.
— Achamos que poderíamos controlar isso — disse Anderson. — E esse controle está além do nosso poder. Isso vai direto aos centros de prazer do cérebro em desenvolvimento. É muito além de nossa capacidade de entendimento como pais normais.
Ele tem cinco filhos e 12 regras sobre aparelhos. Elas incluem: nada de celulares até o verão antes do Ensino Médio, nada de telas nos quartos, bloqueio de conteúdo a nível de rede, nada de mídias sociais até os 13 anos, nada de iPads de jeito algum e limites de tempo de contato com telas impostos pelo Google Wifi que ele controla usando o próprio celular. Mau comportamento? O filho fica off-line por 24 horas.
— Eu não sabia o que estávamos fazendo com os cérebros deles até que comecei a observar os sintomas e as consequências — disse Anderson.
— Vemos agora no que resultou. Cometemos todo tipo de erro imaginável, e acho que pisamos na bola quanto a alguns dos meus filhos — disse Anderson. — Vislumbramos o abismo do vício e houve alguns anos perdidos, quanto aos quais nos sentimos mal.
Seus filhos estudaram em escola primária particular, à qual ele viu os administradores tentarem trazer iPads e lousas inteligentes, resultando apenas "em caos e na retirada subsequente de tudo aquilo."
A ideia de que os pais do Vale do Silício estão desconfiados quanto à tecnologia não é novidade. Os padrinhos da tecnologia expressaram preocupações dessa espécie anos atrás, e a aflição mais estrondosa veio do topo.
Tim Cook, diretor da Apple, disse, nesse ano, que não deixaria seu sobrinho participar de redes sociais. Bill Gates proibiu celulares até que seus filhos fossem adolescentes, e Melinda Gates expressou um desejo de que houvessem esperado ainda mais. Steve Jobs não deixou que seus filhos pequenos se aproximassem de iPads.
Porém, desde o ano passado, uma esquadra de desertores célebres do Vale do Silício vem disparando alarmes de modo cada vez mais lúgubre quanto ao que esses apetrechos fazem com o cérebro humano. Funcionários comuns do Vale do Silício estão repentinamente obcecados. Casas vetando aparelhos eletrônicos vêm se espalhando pela região. Babás vêm tendo de assinar contratos que proíbem o uso de celulares.
Aqueles que já expuseram seus filhos a telas tentam dissuadi-los do vício explicando como os aparelhos funcionam.
John Lilly, um investidor de risco com base no Vale do Silício com a Greylock Partners e ex-diretor do Mozilla, disse que tenta ajudar seu filho de 13 anos a entender que ele está sendo manipulado por aqueles que criaram a tecnologia.
— Tento dizer a ele que alguém criou um código para fazer com que ele se sinta assim — estou tentando ajuda-lo a entender como são feitas as coisas, os valores que são inseridos nelas e o que as pessoas estão fazendo para criar esse sentimento — disse Lilly.  — E ele responde: "Eu só quero 20 mangos para conseguir minhas skins no Fortnite".
E há os que trabalham com tecnologia que discordam quanto ao perigo das telas. Jason Toff, de 32 anos, que dirigiu a plataforma de vídeo Vine e trabalha agora para o Google, deixa seu filho de três anos brincar com um iPad, que ele crê não ser nem melhor nem pior do que um livro. Essa opinião é suficientemente impopular entre seus colegas de trabalho para que ele sinta haver agora "um estigma".
— Uma reação que vi logo ontem foi: "Não lhe preocupa que todos os grandes executivos de tecnologia estão limitando o tempo de contato com telas? — disse Toff. — E eu respondi: "Talvez deva me preocupar, mas sempre fui meio desconfiado quanto a normas." As pessoas simplesmente temem o desconhecido.
— É meio do contra — disse Toff. —Mas acho que falo em nome de muitos pais que temem falar o que pensam por medo de serem julgados.
Ele disse que recorda sua própria infância, durante a qual assistiu bastante TV:
 —Acho que não saí mal — disse Toff.
Outros pais do Vale do Silício dizem que há modos de tornar a limitação do tempo de contato com telas menos perniciosa.

Porções "breves" com jogos

Renee DiResta, uma pesquisadora de segurança no comitê do Center for Humane Tech, não permite tempo de contato passivo com telas, mas permite porções breves de tempo para jogos desafiadores.
Elas quer que seus filhos de dois e quatro anos aprendam a programar já jovens, então apoia que conheçam aparelhos eletrônicos. Mas ela faz distinções entre tipos de uso de telas. Jogar um jogo de construção é permitido, mas não assistir a um vídeo do YouTube, exceto em família.
E Frank Barbieri, um morador de San Francisco e executivo da startup PebblePost, que rastreia a atividade online para enviar propaganda direta por correio, tenta restringir o tempo de contato com telas de sua filha de cinco anos a conteúdo em italiano.
“Temos amigos que são abolicionistas de telas, e temos amigos que são liberalistas de telas”, disse Barbieri.
Ele havia lido estudos sobre como a aquisição de um segundo idioma enquanto criança seria bom para a mente em desenvolvimento, então sua filha assiste a filmes e programas de TV em italiano.
— Para nós, sinceramente, eu e minha esposa pensamos: "Que lugar gostaríamos de visitar?" — disse Barbieri.
* Tradução de Vicente Nogueira.