sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

COMUNICADO DAS INSTITUIÇÕES DA COLETIVIDADE ARMÊNIA DO BRASIL

 

COMUNICADO DAS INSTITUIÇÕES DA COLETIVIDADE ARMÊNIA DO BRASIL

COMUNICADO DAS INSTITUIÇÕES DA COLETIVIDADE ARMÊNIA DO BRASIL

ANTE O BLOQUEIO POR PARTE DO AZERBAIJÃO SOBRE O CORREDOR QUE UNE AS REPÚBLICAS DA ARMÊNIA E ARTSAKH


O presente documento resume uma série de fatos gravíssimos provocados pelo Azerbaijão e violações do acordo tripartite firmado em 09/11/2020, entre ARMÊNIA, AZERBAIJÃO E RÚSSIA.


Desde 12 de dezembro, sob o pretexto de um protesto ambientalista, integrantes das forças de segurança do Azerbaijão, passando-se por civis, bloquearam o corredor de Berdzor (Lachin), única rota que une a República de Artsakh (Nagorno Karabagh) com a Armênia.


Este corredor foi colocado sobre a supervisão das Forças de Paz da Rússia de acordo com o estabelecido na Declaração Trilateral firmada por Armênia e Azerbaijão tendo a Rússia como mediadora, em 09 de novembro de 2020. Neste ato, estabeleceu-se que o `Corredor` deve operar sob o controle das Forças de Paz russas e que o Azerbaijão deve garantir a segurança das pessoas, veículos e cargas em ambas as direções, sem causar-lhes dificuldade.


O bloqueio terrestre realizado por agentes infiltrados do Governo do Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, foi executado em pleno inverno e foi acompanhado de um bloqueio de suprimento de gás à República de Artsakh vindo da Armênia e que atravessa o território que está sob o controle azerbaijano.


Este ato representa um crime do Azerbaijão, viola os compromissos internacionais assumidos e os princípios e normas do Direito Internacional, que toma de reféns mais de 120.000 habitantes de Artsakh. Não apenas estão violando o direito de livre circulação, como também está se eliminando a principal fonte de energia para o sistema de aquecimento das pessoas em pleno inverno e assim, colocando em risco a vida de dezenas de enfermos que necessitam de traslado imediato à Armênia. Estas ações hostis à população civil de Artsakh remetem diretamente ao objetivo de continuar a limpeza étnica iniciada pelo Azerbaijão durante a agressão militar de setembro-novembro de 2020 e incrementam a ameaça de um novo genocídio contra os armênios locais.


A Rússia, através do serviço de imprensa do Kremlin, declarou o bloqueio como sendo inadmissível, assim como a União Europeia, Estados Unidos, Chipre, Holanda, Canadá, o Grupo de amizade com Artsakh/Nagorno Karabagh do Parlamento Europeu, Grécia, o Secretário Geral da Onu, A. Guterres, Polônia, e, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, entre outros, que também vem se pronunciando pedindo o fim deste bloqueio.


Em atenção a esta grave situação gerada pelo Azerbaijão que é um novo sinal da política xenófoba antiarmênia promovida insistentemente por seu governo, que torna de refém a população armênia, a Coletividade Armênia do Brasil clama urgentemente a atenção de nossas autoridades brasileiras, dos partidos políticos e das organizações sociais, historicamente solidárias com nossa causa e às do Direito Internacional e a imprensa para que ergam sua voz para condenar de forma clara e firme estes atos inadmissíveis de agressão injustificada, visando evitar uma catástrofe humanitária contra a população armênia de Artsakh.


São Paulo, 21 de dezembro de 2022



Diocese da Igreja Apostólica Armênia do Brasil

Paróquia Armênia Católica Catedral São Gregório Iluminador

Igreja Central Evangélica Armênia de São Paulo

Igreja Evangélica Irmãos Armênios

Comunidade da Igreja Apostólica Armênia de Osasco

SAMA - Sociedade Artística Melodias Armênias

União Geral Armênia de Beneficência – UGAB

Fundo Nacional Armênia

Sociedade Beneficente e Cultural Marachá

Amigos da Cultura Armênia de São Paulo – ACASP

Conselho Nacional Armênia

Diretoria Central Associação Cultural Armênia para a América do Sul

Associação Educacional e Cultural Hamazkayin

Sociedade Beneficente de Damas Brasil-Armênia – HOM – filial Arpi São Paulo

Sociedade Beneficente de Damas Brasil-Armênia – HOM filial Massis de Osasco

Associação Cultural Tekeyan

AAMA – Associação Armênia Monte Ararat

Grupo de Escoteiros Sardarabad

Loja Maçônica Ararat

Programa Conexão Armênia

O Irã e a balança de poder no Oriente Médio (HISTORIA MILITAR EM DEBATE)

TRANSCREVO NA INTEGRA ESSA REPORTAGEM DO SITE HISTORIO MILITAR


História Militar em Debate | O Irã e a balança de poder no Oriente Médio (historiamilitaremdebate.com.br) 



O Irã e a balança de poder no Oriente Médio

de 

Rodolfo Queiroz Laterza¹ e Ricardo Cabral²

Este ensaio pretende fazer uma análise geopolítica do Irã no Oriente Médio e nas relações com a Ásia Central. Vamos apresentar um panorama das principais tendências geopolíticas da república islâmica no seu contexto regional e suas implicações na política mundial.

História e Geografia

A República Islâmica do Irã está localizada em uma parte estrategicamente importante do continente eurasiano. O núcleo cultural e histórico do Irã moderno é o Império Persa – o nome coletivo das dinastias Aquemênida, Arsácida e Sassânida, que com a conquista árabe (meados do século VII d.C.) passou por um processo de islamização. Nos dois séculos seguintes, uma série de dinastias muçulmanas iranianas emergiu antes que os turcos seljúcidas e os mongóis conquistassem a região. No século XV, os safávidas nativos re-estabeleceram um estado iraniano e converteram a região ao xiismo. O Irã, desde então, conseguiu se manter independente, apesar das grandes perdas territoriais.

O Irã tem fronteiras terrestres com o Afeganistão, Paquistão, Turcomenistão, Armênia, Azerbaijão, Turquia e Iraque. O Irã não tem fronteira terrestre com a Rússia, mas compartilha as águas do Mar Cáspio. No sul, o Irã é banhado pelos golfos Pérsico e de Omã. O Estreito de Ormuz, que liga os dois golfos, é de importância estratégica e por ele são transportados aproximadamente 20% dos derivados de petróleo do mundo.

No fim da década de 1970, os Estados Unidos conseguiram afastar o Egito da influência da União Soviética, a Arábia Saudita (um dos estados líder da comunidade islâmica sunita) e o Irã (maior comunidade xiita do Oriente Médio, mas na época um Estado laico e em larga margem “ocidentalizado”) eram seus grandes aliados junto à comunidade islâmica. Esses dois Estados, juntamente com Israel, faziam de Washington um grande ator nos assuntos regionais.

Na lógica de zonas de influência durante a Guerra Fria, os EUA apoiaram o Irã e na Arábia Saudita, regimes autocráticos estáveis que mantiveram as exportações de hidrocarbonetos em nível continuo e seguro. Nesse sentido, Washington firmou amplos acordos de cooperação militar com exportação de equipamentos militares de última geração. 

Em 1979, a Revolução Islâmica, de caráter antiocidental e teocrática, retirou o Irã da influência norte-americana. Teerã passou ser um estado contestador da influência ocidental liderada pelos norte-americanos e do status quo no Oriente Médio.

A Guerra Irã-Iraque (1980-1988) foi o teste de fogo do novo regime, que, apesar das enormes dificuldades internas e do isolamento externo, conseguiu consolidar o regime teocrático utilizando a religião e o fervor patriótico como elementos aglutinadores.

A população do país é multiétnica em sua composição e tem de cerca de 85 milhões de pessoas, sendo que mais de 60% tem menos de 30 anos. O nível de escolaridade no país é elevado (85% de alfabetização da população total e 97% dos jovens com menos de 30 anos), ao mesmo tempo que se verifica forte desigualdade de género e repressão a direitos civis. A maioria dos habitantes professa o xiismo, embora existam minorias sunitas, cristãos, zoroatristas, judeus e hindus.

O sistema de governo é uma teocracia republicana. O líder supremo é um clérigo eleito de caráter vitalício. O presidente, eleito por 4 anos, tem as funções de primeiro-ministro e representa o Estado na política externa. As leis são adotadas pelo Majlis (parlamento). As forças políticas estão divididas em conservadores e reformistas liberais. 

O Estado iraniano foi , portanto, reorganizado como uma República Islâmica com características próprias (existência de um líder supremo e a uma assembleia de peritos), com a religião influenciando as decisões políticas através de um órgão superior moderador de decisões políticas composto por dignitários clericais (Conselho dos Guardiões), em que pese o sistema de governo ser parlamentarista e admitindo o pluripartidarismo (com representantes étnicos) mediante rígido controle oficial, sendo um sistema governamental bastante diferente de uma democracia representativa e pluralista do tipo ocidental.

O Irã passou a ser um polo de contestação religiosa à liderança espiritual sunita da Arábia Saudita. Teerã estabeleceu como prioridade a expansão do xiismo e o financiamento de grupos xiitas em vários países do mundo islâmico.

Desde o episódio do sequestro de funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Teerã (1979-1981) as relações com Estados Unidos foram marcadas por amplas sanções norte-americanas ao Irã de natureza econômica, comercial, financeira, tecnológica e militar. Washington (e também Israel) realizam operações encobertas visando minar a autoridade do governo central, estimulam e apoiam protestos, disseminam dissidências e desejos de autonomia/independência, no qual podemos citar o caso dos curdos (para maiores informações, ver artigo https://historiamilitaremdebate.com.br/analise-do-conflito-curdo-iraniano/ )  e da região tribal nas fronteiras do leste com o Tadjquistao, além de uma tensa fronteira oeste com o Afeganistão.

As sanções internacionais aplicadas ao regime xiita iraniano congelaram bilhões de dólares nos bancos do Ocidente e de seus aliados, bem como limitaram suas relações comerciais, As sanções incluem uma extensa lista de bens e tecnologias que não podem ser comercializados. O Irã teve vários acordos e intercâmbios de caráter científico e cultural suspensos e/ou limitados, além de boicotes diversos em diferentes esferas. Apesar desse quadro adverso, o Irã tem conseguido crescer em uma média torno de 5% na década de 2000.

O Irã ocupa o 4º lugar na produção mundial de petróleo e o 5º na produção mundial de gás. Possui os seguintes gasodutos, projetados e construídos: 1) Irã-Iraque-Síria; 2) Irã-Omã-Índia (ao longo do fundo do mar). O gasoduto para o Paquistão não pôde ser concluído devido à recusa do lado paquistanês em participar do projeto. O Irã também exporta gás do Turcomenistão.

https://daudt.eng.br/pt/mercado/engenheiros-pelo-mundo/

O governo iraniano prioriza o desenvolvimento científico por intermédio da formação de pessoal (vide acima o número de engenheiros formados pelo Irã anualmente), criação de centros de pesquisa, investindo na universidades e nas parcerias (de forma encoberta, sigilosa) com a China, Rússia, Coreia do Norte e Paquistão. O Estado financia pesadamente vários setores da infraestrutura tecnológica, notadamente as indústrias de defesa, aerospacial, de tecnologia de informação, naval e energética.

Programa Nuclear

Um dos maiores problemas externos do Irã é o seu programa nuclear voltado para a produção de energia e outros subprodutos para a medicina nuclear. O programa nuclear iraniano tem sua origem na década de 1950, com o programa norte-americano “Átomos para Paz”. Lembro que o Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.

Após a revolução iraniana de 1979, os EUA e seus aliados acusam Teerã de que seu programa nuclear visa a produção de armas nucleares. Já o Irã afirma que seu programa nuclear continua a ter fins civis e pacíficos, porém os iranianos tem sido dúbios e em vários momentos o governo se recusou a cooperar e/ou autorizar a inspeção de suas instalações nucleares pela Agência Internacional de Energia Atômica. 

https://iranprimer.usip.org/resource/irans-nuclear-program

Desde 2010, o Conselho de Segurança da ONU adotou uma resolução contendo inúmeras sanções, posteriormente ampliadas pelos EUA e seus aliados contra o Irã por manter o desenvolvimento de seu programa nuclear.

A questão se resume ao fato de os EUA e seus aliados não quererem permitir que o Irã (como outros países, dentre os quais o próprio Brasil) tenha condições de enriquecer o urânio de forma autônoma em instalações nacionais. Em tais instalações os iranianos poderiam enriquecer a referida matéria prima a níveis superiores ao mínimo das armas nucleares, que é de 80% (weapons-grade) ou acima dos 90% (o necessário para a produção de armas nucleares).

A possibilidade do Irã ter a capacidade tecnológica de enriquecer o urânio em mais de 20% já fez com que a Arábia Saudita e outros países do golfo pérsico dessem início a projetos visando desenvolver um programa nuclear.

O Irã já possui uma família de misseis balísticos de alcances variados transportando ogivas convencionais, a posse de armas nucleares pelos iranianos alteraria todo o cenário estratégico da região. Por outro lado, Teerã teria uma capacidade de dissuasão bem acima dos seus vizinhos e ameaçaria a superioridade estratégica norte-americana no Oriente Médio.

Israel considera a posse de armas nucleares pelo Irã como uma ameaça existencial e está disposto a utilizar todos os meios disponíveis para impedi-lo como já foi declarado inúmeras vezes por autoridades israelenses.

O cenário geopolítico no Oriente Médio

O Irã considera os Estados Unidos, Israel e a Arábia Saudita como seus principais inimigos e em sua visão, esses estados cerceiam as reivindicações da República Islâmica ao status de potência regional no Oriente Médio e promovem instabilidade interna colocando em risco a continuidade do regime e da sua integridade nacional.

Em nosso entendimento, o maior adversário político-religioso regional do Irã é a Arábia Saudita, com a qual existem disputas religiosas (sunismo wahabi), estratégicas (influência sobre o mundo islâmico) e conflitos históricos, como o apoio de Riad ao regime de Saddam Hussein durante a Guerra Irã x Iraque, além de divergências e tensões com os sauditas no Iêmen, na Palestina e na própria região do Golfo. Ressalte-se que nessa região política, economia e religião estão juntas e misturadas.

Os principais adversários estratégicos do Irã são os Estados Unidos e Israel, os quais na defesa de seus interesses estratégicos, tentam de todas as formas possíveis interromper ou pelo menos atrasar o programa nuclear iraniano, sob a acusação de tentar construir armas nucleares. Segundo os iranianos os norte-americanos, israelenses e aliados, de forma velada e aberta, estimulam movimentos reformistas, étnicos-autonomistas e de contestação ao regime. Os iranianos, por sua vez, tentam minar a influência dos EUA no Oriente Médio apoiando grupos xiitas na Palestina, Líbano, Síria, Iraque, Iêmen, Afeganistão, Paquistão, Bahrein, Catar e na própria Arábia Saudita.

https://www.planobrazil.com/2013/06/17/conflito-no-oriente-medio-e-mais-do-que-religiao/

Na geopolítica regional, além do estado iraniano, existe o conceito de “Grande Irã”, cujas origens estão na longa existência de uma sociedade organizada e centralizada politicamente no que chamamos hoje de Irã. Mas o que seria o Grande Irã? Além do território atual, englobaria o Tadjiquistão e a maior parte do Afeganistão. Além disso, é preciso levar em consideração a influência extraterritorial do Irã, que se considera o centro do xiismo, sobre os países muçulmanos com grandes grupos da seita xiita, dentre os quais destacamos:

 1) Bahrein, Iraque, Catar, Azerbaijão (maioria); 

2) Turquia, Kuwait, Líbano, Arábia Saudita, Omã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Síria, Afeganistão, Paquistão (os quais possuem minorias significativas);

3) Vários países da África também têm uma população xiita. Nas Ilhas Comores, por exemplo, os xiitas têm influência política fundamental.

https://www.reddit.com/r/imaginarymaps/comments/tlgeyo/
ethnic_map_of_the_middle_east_in_an_alternate/

As tensões étnico e religiosas são incrementadas pelo fato de o Irã adotar uma política externa hostil e antagônica à Arábia Saudita e aos EUA no Oriente Médio. Teerã tem uma aliança militar com Damasco, fornecendo apoio direto ao governo de Assad. O Irã apoia diretamente o Hezbollah libanês e as comunidades xiitas no Bahrein, país onde está estacionada a 5ª Frota da Marinha dos Estados Unidos. Nos últimos anos, o Irã estabeleceu uma cooperação efetiva com o governo de Nori al-Maliki, primeiro-ministro xiita iraquiano. Teerã também está tentando estabelecer boas relações com o Afeganistão e o Paquistão, tendo em vista os interesses comuns nas áreas tribais, no controle de minorias étnicas e no combate a grupo radicais. Entretanto, a influência dos EUA e da UE, até o momento, está conseguindo bloquear as aspirações políticas iranianas.

O colapso da URSS com a consequente formação da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e a independência das ex-repúblicas soviéticas no Cáucaso e na Ásia Central permitiram ao Irã construir os laços perdidos durante a era soviética. Teerã é culturalmente próximo ao Afeganistão e Tadjiquistão, onde a cultura iraniana e o farsi (língua persa) são amplamente difundidos. Existem ainda certos laços com outros estados, em particular, com o Uzbequistão.

https://breakingdefense.com/2019/06/iranian-missile-misfires-as-other-attacks-hit-home/

A dimensão militar

As Forças Armadas da República Islâmica do Irã incluem o exército regular e o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (CGRI), uma unidade de elite independente fortemente ideologizada, com doutrina militar, treinamento e equipamentos próprios. De acordo com o relatório publicado em 2019, pela Agência de Inteligência do Departamento de Defesa dos EUA (Defense Intelligence Agency, DIA), publicado em novembro de 2019, até agosto daquele ano, 190 mil combatentes estavam no CGRI. O número do exército regular é de 420 mil pessoas. Em tempo de guerra, o efetivo total das Forças Armadas permite um acréscimo de mais 1 milhão de combatentes.

O Irã tem estreitos laços militares com a Síria e o Iraque. Existe alguma cooperação nesta área com o Afeganistão, Belarus, China, Omã, Rússia, África do Sul, Venezuela, Azerbaijão, Bolívia, Índia, Itália, Cazaquistão, Líbano, Paquistão, Catar, Tanzânia, Turquia e Turquemenistão. Após a revolução islâmica, o país sofreu (e sofre) uma série de sanções dos Estados Unidos, e o fornecimento de equipamentos militares foi interrompido. Teerã adotou o pragmatismo e buscou a cooperação com a Rússia, China e Coreia do Norte para obter os equipamentos militares que necessitava.

No relatório “World military expenditure passes $2 trillion for first time” (2022), do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), a República Islâmica elevou seus gastos militares para US$ 24,6 bilhões – um aumento anual de 11% – e pela primeira vez em duas décadas está entre os maiores 15 países em termos de maior orçamento militar. O orçamento alocado para a Guarda Revolucionária do país, ou CGRI, cresceu 14% em relação a 2020 e agora representa 34% dos gastos militares totais do Irã.

A guerra da Ucrânia acabou por fortalecer a interação estratégica entre Irã e a Rússia, reforçando a contestação da hegemonia do eixo antlanticista liderado pelos EUA. A exportação de drones Shaheed – 136 e tecnologia de drones kamikaze, em função de necessidade tática russa no teatro de operações da Ucrânia, elevou o nível da cooperação militar. Por sua vez a Rússia já indicou exportação de um primeiro lote de 24 caças SU-35 (versão ainda não especificada) ao Irã. Esses caças foram originalmente vendidos ao Egito, porém sem conclusão da transação comercial devido a ameaças de sanções dos EUA àquele país.

Segundo informações publicadas na imprensa, a ampliação dos laços militares entre Moscou e Teerã não se resumirá a drones ou caças, podendo abranger a modernização dos submarinos diesel-elétrico da classe Kilo (vendidos em 1996), o fornecimento de blindados e de sistemas de defesa aérea (provavelmente versões modernizadas do Tor-M2). Ademais, no curso dessa cooperação, a Rússia vai interagir diretamente com o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, fortalecendo o treinamento e principalmente a troca de informações de caráter estratégico.

Porém é precipitado afirmar que o aprofundamento da cooperação entre o Irã e a Rússia possa mudar o equilíbrio de poder regional, especialmente em relação aos dois principais rivais do Irã no Oriente Médio: Israel e Arábia Saudita. Segundo especialistas, a Força Aérea Iraniana, provavelmente precisará de pelo menos 60 caças de 4.5ª ou 5ª geração para substituir os antigos F-14A Tomcat e MiG-29A, ao passo que as forças aéreas israelense e sauditas são detentoras de aeronaves de combate que possuem tecnologias de 5ª geração, além de possuírem treinamento e doutrina consolidadas.

gap em número de aeronaves e poder tecnológico dos aliados norte-americanos em relação ao Irá é considerável. Por exemplo, a Arábia Saudita tem mais de 80 aeronaves F-15SA, versão atualizada do Strike Eagle capaz de transportar até 12 mísseis ar-ar de longo alcance AIM-120 AMRAAM. Os Emirados Árabes Unidos possuem caças F-16E/F Block 60 e em breve receberão 80 caças multifuncionais Rafale F4 franceses, com entrega prevista a partir de 2027.

A título de comparação, a Força Aérea Iraniana possui cerca de 200 aeronaves: 130 caças e 70 bombardeiros, além de cerca de 300 helicópteros, não se sabendo se todos estão operacionais. No inventário constam caças F-4 Phantom, F-14 e F-5E/F Tiger, MiG-29 soviéticos, quase todos são versões modernizadas do período da Guerra Fria e da Revolução Islâmica de 1979. É muito provável que estejam obsoletos.

Assim, é prematuro dizer que Teerã alcançará a supremacia aérea contando apenas com o Su-35, provavelmente fará novas aquisições. As missões atribuídas ao Su-35 dependem da quantidade de caças a serem recebidos e a tendência é que Teerã os empregue para proteger seus centros estratégicos e instalações sensíveis.

https://www.bbc.com/news/world-middle-east-51189779

O Irã busca um desenvolver de forma independente sistemas de defesa de área baseadas no sistema Tor-M1 russo. Este pode ser um setor promissor para uma modernização no contexto da cooperação russo-iraniana.

Não está claro se a Rússia planeja construir mais jatos para o Irã ou se fornecerá caças de seu atual arsenal como parte de um segundo lote, o que é improvável devido ao seu comprometimento militar cada vez crescente na Guerra com a Ucrânia e OTAN. .

Os caças russos permitirão o início da modernização da frota aérea iraniana, mas não serão suficientes para representar um sério desafio aos vizinhos do Golfo Pérsico.

A cooperação técnica-militar entre Rússia e Irã poderá ser impulsionada diante da necessidade urgente de modernização da frota de blindados das forças terrestres iranianas, que, embora numerosa com um quantitativo em torno de 3 mil carros de combate e blindados, sofre com a obsolescência. A estimativa de seu inventário é a seguinte:

  • Cerca de mil T-72s com várias modificações, oriundos de variantes de meados dos anos 80;
  • Cerca de mil carros chineses, como Type-88 e Type-85, os quais apresentam desempenho ligeiramente inferior às antigas modificações do T-72;
  • Centenas de carros de combate T-55, Type-59, M48 e M60.
  • O principal meio das forças blindadas do Irã são os MBT Zulfikars, de produção nacional, criado com base no T-72 e, em termos de características, o veículo aproxima-se do T-72B3, porém estima-se que não existam mais de cem desses carros no país.

A geoeconomia eurasiana e a cooperação na área da segurança

O Irã está expandindo a cooperação com a Rússia e a União Econômica Euroasiática (UEE)³, obtendo acesso a novos mercados e às rotas de trânsito mais importantes da Ásia Central. Em 18 de janeiro de 2023 entrará em vigor uma zona de livre comércio englobando o Irã e os países da UEE, com livre trânsito de mais de 7,5 mil tipos de mercadorias.

Em 15 de setembro de 2022, o Irã se associou à Organização de Cooperação de Shangai (OCS) com a assinatura de um memorando de adesão plena àquele bloco político. A participação nessa organização internacional pode aprofundar os laços estratégicos com a República Popular da China (RPC), com a possibilidade da inclusão de Teerã nos projetos de infraestrutura inseridos no programa da Nova Rota da Seda. A provável aliança estratégica (Rússia-China-Irã) demonstra um alto grau de pragmatismo ainda não visto nas relações externas do Irã e tem uma grande probabilidade de se viabilizar, principalmente se mantiver a autonomia na política externa entre os parceiros.

A OCS é uma organização internacional fundada em 2001 pela China, Rússia, Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão e Uzbequistão. A principal missão da OCS é estimular a cooperação para a segurança ‒ em especial, no combate ao terrorismo, separatismo e extremismo ‒, embora também trate de temas relacionados a cooperação econômica e cultural. A OCS tem como países observadores o Afeganistão, a Bielorrússia e a Mongólia, os países parceiros são o Azerbaijão, a Arménia, o Camboja, o Nepal, a Turquia e o Sri Lanka.

Hoje, quase todos os membros da OCS têm relações comerciais bilaterais com o Irã. Estamos falando de corredor Norte-Sul: seus vários ramos na Ásia Central se conectam a Nova Rota da Seda, que liga o Sudeste Asiático através da Índia e do Irã até São Petersburgo e à Europa. Nesse sentido, a Índia continua implementando o projeto estratégico mais importante da região para construir o porto de Chehbahar, no sul do Irã.

Ao mesmo tempo, analistas políticos apontam que Teerã não receberá benefícios significativos por ser membro da OCS devido ao foco da organização na cooperação no campo da segurança. Além disso, o Irã será forçado a apoiar um lado ou outro na resolução de questões contenciosas que não afetam seus interesses nacionais, mas que podem afetar as relações com os aliados respectivos.

Na resolução do problema de segurança transfronteiriço afegão vinculado à presença do Estado Islâmico e de facções ligadas ao Talibã, bem como à disseminação de opiáceos na região. O Irã e a Rússia podem juntos desempenhar um papel de liderança, como no caso do conflito da Síria, onde estabeleceram uma aliança pragmática de sustentação do regime de Bashar Al-Assad.

Como já citamos, o Irã tem buscado ampliar sua influência regional por intermédio das comunidades xiitas no mundo islâmico. Teerã se utiliza das mesmas estratégias da Arábia Saudita, tais como o financiamento de centros religiosos que fornecem assistência socioeconômica, ao mesmo tempo que são centros de divulgação ideológica/religiosa de acordo com os interesses iranianos.

No que se refere à cooperação para segurança regional na Transcaucásia, a política externa iraniana tem se esforçado em promover a cooperação “3 + 3”, com a participação da Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Rússia, Irã e Turquia. No entanto, Teerã até o momento não obteve sucesso, pois a Geórgia não se interessou por esse formato. Enquanto isso, o Azerbaijão e a Turquia, inspirados pela vitória na Segunda Guerra de Nagorno-Karabakh (2020), assumiram uma postura hostil em relação ao Irã. Ressalte-se que o Azerbaijão apoiou abertamente os protestos recentes no Irã. Vale frisar que Baku tem interesse na separação do chamado Azerbaijão do Sul, atual província iraniana.

Em relação ao Afeganistão, o Irã tradicionalmente apoia os xiitas afegãos, especialmente os hazaras, que constituem uma minoria da população do Afeganistão, o que é um fator de dificuldades, pois a maioria dos afegãos são sunitas. Na Síria, os iranianos tem forte ligação com os alauítas, grupo religioso e etnia que governa o país (família al-Assad, da tribo Kalbiyya). O regime sírio é o mais tradicional e fiel aliado dos russos no Oriente Médio.

A Turquia apoia o Azerbaijão e a oposição síria, as relações com Teerã tem altos e baixos, atualmente, o pragmatismo tem se impostoin. O Paquistão (aliado da Turquia e do Azerbaijão) tem sido tradicionalmente ativo no Afeganistão e mantém relações estáveis com Teerã. Recentemente as relações com o Talibã afegão pioraram no Paquistão, devido a tensões na fronteira com insurgentes próximos ao Talibã.

Após a Segunda Guerra de Nagorno-Karabakh (2020), o Irã poderia estar cercado em um anel turco-sunita cobrindo Iraque, Síria, Azerbaijão, Turcomenistão, Afeganistão e Paquistão.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Estreito_de_Ormuz#/media/Ficheiro:Strait_of_Hormuz.jpg

Em relação ao Estreito de Ormuz, sua importância estratégica para o Irã está diretamente relacionada a sua capacidade de interromper a rota dos petroleiros no Golfo Pérsico.  A segurança da navegação nesta passagem estreita entre o Golfo Pérsico e o Oceano Índico é um chocke point para a indústria global de petróleo e gás mundial.

É importante frisar que aproximadamente 12 milhões de barris de petróleo passam pelo Estreito de Ormuz. Isso representa quase um terço de todo o transporte marítimo dessa matéria-prima no mundo. Dessa forma, da Arábia Saudita, Catar, Bahrein, Iraque e Emirados Árabes Unidos partem petroleiros que fornecem cerca de 80% do óleo que vai para o Japão, 23% para os países da Europa Ocidental e 13% para os Estados Unidos. Ademais, cerca de um quarto do gás natural liquefeito do mundo, fornecido pelo Catar, também passa pelo Estreito de Ormuz.

https://www.aljazeera.com/news/2020/1/13/us-military-presence-in-the-middle-east-and-afghanistan

Depreende-se diante do exposto, que o controle sobre o Estreito de Ormuz é problema de segurança global e que a livre navegação tem impacto direto nas relações internacionais em nível mundial. Em particular, isso é usado pelo Irã, que é tecnicamente capaz de destruir qualquer navio no estreito, usando para tal baterias costeiras com mísseis antinavio e drones de superfície.

Os Estados Unidos e o Irã ao longo do últimos anos, em vários momentos, estiveram no limite de um combate real entre suas unidades militares. As constantes ameaças de interrupção dessa importante linha de comunicação marítima terão consequências desastrosas para a economia mundial.

A costa sul da República Islâmica do Irã que vai desde o Golfo Pérsico, passando pelo Estreito de Ormuz e pelo Golfo de Omã é patrulhada por submarinos diesel-elétricos de origem soviética (russa) e norte-coreana, além de numerosos barcos de combate com mísseis antinavio e torpedos, além de terem vários trechos de seu litoral com minas marítimas.

Ressalte-se que os norte-americanos mantém na região cerca de 45 mil a 65 mil combatentes e possuem capacidades militares que podem destruir todo o sistema de defesa iraniano em minutos, sem falar nos seus aliados.

A China pode ser mais um fator de estabilidade na região, pois tem o interesse de manter a rota marítima aberta, sendo uma aliada estratégica do Irã e tendo estabelecido uma série de acordos comerciais com a Arábia Saudita e outras monarquias da região.

Considerações finais

Nas condições do regime de sanções imposto pelo Ocidente, em que o Irã está há muito tempo submetido, a política externa iraniana na Ásia Central, a aproximação com a China e a Rússia permitiram que Teerã encontre alternativas para manter sua autonomia política e resistir à pressão dos EUA e aliados.

A inserção do país como membro pleno da Organização de Cooperação de Shangai (OCS) e a formalização de um acordo de zona de livre comércio com a União Econômica Euroasiática irão possibilitar novos arranjos comerciais, políticos e de segurança para o regime iraniano.

A cooperação técnica e militar com a Rússia possivelmente permitirá um salto qualitativo na modernização de setores obsoletos de suas forças militares e talvez na área nuclear.

Entretanto a crise econômica e social por que o regime iraniano sofre com maior intensidade desde 2020 está provocando instabilidade interna. Os protestos contra a opressão do regime, com transbordamento para suas fronteiras podem provocar turbulência na vizinhança. Em termos geopolíticas, os protestos fortalecem movimentos de secessão da região curda e do Azerbaijão do Sul. Entretanto, o regime político iraniano demostrou resiliência em diferentes crises e conflitos, bem como diante de um quadro de sanções internacionais duras e complexas. Sua importância no tabuleiro geopolítico regional é inegável e um fator a ser considerado dependendo do contexto internacional.

Autores

¹ Delegado de Polícia, Mestre em Segurança Pública, historiador, pesquisador em geopolítica e conflitos militares

² Mestre e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, professor-colaborador e do Programa de Pós-Graduação em História Militar Brasileira (PPGHMB – lato sensu), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO e Editor-chefe do site História Militar em Debate e da Revista Brasileira de História Militar. Website: https://historiamilitaremdebate.com.br

Notas

³A União Econômica da Eurásia (UEE) é uma organização internacional para a integração econômica regional. Tem personalidade jurídica internacional e é estabelecido pelo Tratado da União Econômica da Eurásia. A UEE prevê a livre circulação de bens, serviços, capital e trabalho, segue uma política coordenada, harmonizada e única nos setores determinados pelo Tratado e acordos internacionais dentro da União. Os Estados-Membros da União Económica da Eurásia são a República da Arménia, a República da Bielorrússia, a República do Cazaquistão, a República do Quirguistão e a Federação Russa. A União está sendo criada para atualizar integralmente, aumentar a competitividade e a cooperação entre as economias nacionais e promover um desenvolvimento estável para elevar o padrão de vida das nações dos Estados-membros.

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Fontes consultadas:

https://carnegieendowment.org/regions/123

https://www.ceicdata.com/pt/indicator/iran/real-gdp-growth

https://www.fpri.org/country/iran/

https://jamestown.org/

https://www.jstor.org/journal/iran

https://tisri.org/en/

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/03/internacional/1451843662_491050.html

Iran Military Power. Ensuring regime survival and securing regional dominance. Defense Intelligence Agency. Disponível no site eletrônico: https://www.dia.mil/Portals/110/Images/News/Military_Powers_Publications/Iran_Military_Power_LR.pdf. Acessado em: 02/01/2023.

https://www.sipri.org/media/press-release/2022/world-military-expenditure-passes-2-trillion-first-time Acessado em: 02/01/2023.

https://www.nytimes.com/2022/12/08/world/middleeast/china-saudi-arabia-agreement.html

https://theconversation.com/chinas-increasing-economic-ties-with-the-gulf-states-are-reducing-the-wests-sway-in-the-middle-east-196518

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Mestre em Segurança Pública, historiador, pesquisador de geopolitica e conflitos armados.

Ricardo Cabral

Professor de História formado pela UGF. Mestrado e Doutorado em História pela UFRJ. Autor de artigos sobre História Militar e Geopolítica.

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